quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Zé Carioca


Zé Carioca

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Zé Carioca é o apelido do papagaio José Carioca, criado no começo da década de 1940 pelos estúdios Walt Disney em uma turnê pela América Latina, que fazia parte dos esforços dos Estados Unidos para reunir aliados durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Historicamente esse esforço na América Latina foi chamado de "Good Neighbor Policy" ou Política da Boa Vizinhança.

 O dublador José do Patrocínio Oliveira, com Zé Carioca, e Walt Disney, com Pato Donald.

Em 1942, ao ser apresentado a Walt Disney nos Estados Unidos, o músico José do Patrocínio Oliveira logo emendou uma conversa usando seu inglês carregado de sotaque. Ao ouvi-lo, o desenhista recomendou: “Não tente ser americano, já temos americanos suficientes aqui. Seja brasileiro”. Isso Oliveira sabia fazer muito bem. Inspirado nele, Disney criou seu único personagem brasileiro: o Zé Carioca (“Joe Carioca”, no original). Só que o homem por trás do papagaio era... paulista!

Nascido na cidade de Jundiaí em 1904, o violonista e cavaquinista Oliveira, chamado pelos amigos de Zezinho, tinha um bocado de trejeitos. “Ele era todo rapidinho, não parava de se mexer nem de falar”, conta o diretor de TV José Amâncio, que foi muito próximo do músico. “Não é que Zezinho tivesse um jeito parecido com o do personagem. Ele simplesmente era o Zé Carioca!” No Brasil, a estréia do papagaio verde e amarelo viria ainda em 1942, com Alô, Amigos, uma pioneira mistura de filme e desenho animado. Nele, Zé Carioca – dublado pelo próprio Zezinho – recebe o Pato Donald em terras brasileiras.


Disney, sua mulher Lillian e um séquito de 18 profissionais dos estúdios do produtor desembarcaram de um avião do Departamento de Estado no Aeroporto Santos Dumont em agosto de 1941, quatro meses antes do ataque japonês a Pearl Harbor. Não ficaram apenas hospedados no Copacabana Palace – montaram ali uma espécie de miniatura dos estúdios que Disney e seu irmão Roy controlavam em Burbank, na Califórnia, de modo que os visitantes brasileiros pudessem ter conhecimento de como funcionava a criação de um desenho animado.
Nesse processo, Walt entrou em contato com diversos artistas brasileiros e suas criações. Um deles, José Carlos de Brito e Cunha, o primeiro desenhista brasileiro a representar Mickey Mouse, impressionou tanto Walt Disney que foi convidado por ele a se unir à equipe nos Estados Unidos. Não aceitou, mas mostrou ao produtor o desenho de um papagaio vestido de gente – que teria sido a principal inspiração para Disney na criação de seu herói.

Se a viagem de Disney ajudou a resolver um problema diplomático do governo Roosevelt, serviu, também, para ajudar a Disney a solucionar problemas financeiros. Com a guerra, o importante mercado cinematográfico europeu, à exceção do Reino Unido, havia sido fechado para os filmes americanos (antes do conflito, a Europa respondia por metade das rendas de Hollywood). A viagem à América Latina estabeleceu laços mais fortes com os países do continente, o que ajudou no bom desempenho que Alô, amigos teve por aqui, e beneficiou o estúdio nos países onde ainda não haviam sido lançados seus filmes mais antigo.

.Além de ser sucesso de público, Alô,Amigos também agradou às autoridades americanas. Afinal, o filme dos Estúdios Disney se encaixava perfeitamente na Política da Boa Vizinhança, lançada na década de 30 pelo presidente americano Franklin Roosevelt com o objetivo de manter toda a América alinhada com os Estados Unidos – e afastada da influência de comunistas e fascistas. O responsável pela doutrina era o OCIAA (sigla em inglês para “Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos”), que usava a cultura como um dos principais meios para manter a influência americana. O órgão encomendou a Disney – uma espécie de “embaixador não-oficial” da Política da Boa Vizinhança – personagens que conquistassem a simpatia da América Latina.

“Muita gente pensa que o Zezinho fez aquela voz do Zé Carioca especialmente para os desenhos. Não fez, era a voz dele mesmo”, diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, diretor da TV Vanguarda, que conheceu Zezinho por intermédio do pai, na infância. Em 1957, aos 22 anos, Boni reencontrou o músico e manteve com ele uma amizade que durou 30 anos – em que não faltavam “causos” sobre como era a vida de personagem de desenho animado. “Disney dizia que o Zezinho tinha até nariz de papagaio. E o levava para o estúdio, botava um chapéu nele, dava um guarda-chuva na mão dele e pedia para ele andar, sambar, rebolar... Os desenhistas ficavam assistindo para fazer o papagaio se mexer do mesmo jeito. E o Zezinho dizia: ‘Mas eu não sei rebolar, sou paulista!’”

Em 1942, Zezinho estreou no cinema tocando com o Bando da Lua no filme Minha Secretária Brasileira, estrelado por Carmen Miranda. Logo depois, em Alô, Amigos, ele fez mais do que dublar Zé Carioca: apareceu tocando “Na Baixa do Sapateiro” e “Os Quindins de Iaiá”, de Ary Barroso. Em 1944, ele voltou a dar voz a Zé Carioca e a atuar em mais uma combinação de filme e desenho animado produzida pelos Estúdios Disney: o clássico Você já Foi à Bahia?. Lá, ao lado de Aurora, ele tocou “Aquarela do Brasil”, também de Ary Barroso, e “Tico-Tico no Fubá”, de Zequinha de Abreu. 

A música brasileira, que tinha conquistado os Estados Unidos com Carmen Miranda, ganhava ainda mais espaço com o empurrão dado por Disney no cinema. Após a estréia de Você já Foi à Bahia?, Zezinho tocou com Aurora no México. Segundo Ruy Castro, apesar da fama da cantora, o nome dela era o segundo nos cartazes dos shows. Vinha logo abaixo de “Joe Carioca” – Zezinho tinha assumido o nome do papagaio por causa de sua popularidade. O músico tocou samba até os 75 anos, em vários estados americanos. Apresentava-se quase todas as noites em hotéis de luxo, restaurantes, cassinos e na própria Disneylândia, na Califórnia. Sua primeira aparição por lá foi na inauguração do parque temático, em 1955 – entrou no palco anunciado pelo próprio Disney.

Certa vez, o amigo José Amâncio foi testemunha de como a fama do músico se perpetuou. No início dos anos 80, o diretor de TV visitava a Disneylândia pela primeira vez, acompanhado por Zezinho. Assim que chegou ao parque, espantou-se ao ver todos os funcionários cumprimentando o músico, acenando e dizendo: “Hey, Joe Carioca”. “Eu sabia que ele era o homem por trás do Zé Carioca, mas não imaginava que era reconhecido desse jeito. Descobri naquele dia como ele era querido”, diz. Zezinho já tinha quase 80 anos quando a cena aconteceu – e o filme de estréia do personagem já tinha mais de 40 anos.

Ao longo dos anos 1960 e 1970, com o avanço de uma crítica ideológica às criações Disney, Zé Carioca tornou-se alvo fácil. O fato de ser nitidamente uma caricatura do Brasil, e de construir esta caricatura a partir de uma das representações que costumam ser mais desconfortáveis para o brasileiro contemporâneo (o malandro que detesta trabalhar, vive na farra, recusa qualquer compromisso e se interessa apenas por samba e futebol), mais de uma vez o colocou na lista dos que criticam criações politicamente incorretas. Não importa: seu humor vem provocando o interesse dos leitores e espectadores geração após geração. E se aceitamos a ingenuidade da representação, ela traz consigo algo importante: a representação, mesmo que superficial e estereotipada, do brasileiro como povo singular. 

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