Desinformação e apreensão marcaram a espera das
famílias das vítimas do naufrágio. A chegada do Carpathia com os sobreviventes - pouco mais de 700 - parou Nova York
Se o marinheiro britânico Harold Cottam tivesse decidido ir para a cama alguns minutos antes, provavelmente o mundo estaria chorando a maior tragédia marítima da história, um desastre de proporções homéricas que teria vitimado mais de 2.000 pessoas. Operador do sem-fio do RMS Carpathia, que viajava de Nova York para Gibraltar, Cottam vestia seus trajes noturnos nas primeiras horas do dia 15 de abril e, por acaso, deixou o rádio ligado enquanto se trocava. Nesse momento ouviu o pedido de socorro do Titanic, e correu para acordar o capitão Arthur Rostron, já recolhido aos seus aposentos. Rostron decidiu colocar todas as forças do Carpathia em uma corrida acelerada rumo à última posição conhecida do Titanic. Com isso, mais de 700 vidas foram salvas. Não à toa, Cottam, Rostron e toda a tripulação do Carpathia foram saudados como heróis no retorno a Nova York, em 18 de abril, um evento que parou a metrópole onde o Titanic deveria chegar mas jamais aportou.
Nessa noite, mais de 30.000 pessoas acotovelaram-se na região do Píer 54 para receber o Carpathia, e, com ele, a confirmação do naufrágio do Titanic e uma lista de todos os seus sobreviventes. Até então, com uma tempestade de boatos e mistérios rondando os eventos que derrubaram o mais moderno transatlântico do planeta - uma tormenta estimulada pela desinformação dos representantes da White Star Line -, imperava a incerteza do destino de seus passageiros. Médicos, enfermeiras, autoridades municipais e federais e membros do Exército da Salvação estavam a postos para prestar socorro e fornecer roupas e alimentos aos sobreviventes. A Bolsa de Valores arrecadou 20.000 dólares para o auxílio aos passageiros desamparados. Diversas associações de moradores e imigrantes também colocaram-se à disposição para abrigar as vítimas - nas contas do prefeito William Gaynor, entre todas as ofertas de alojamento, a cidade estava pronta para acomodar 5.000 pessoas.
A pior das notícias - Antes do desembarque dos sobreviventes do Titanic, os passageiros originais do Carpathia foram orientados pelo capitão Rostron a descer primeiro. Quando aqueles finalmente apareceram no píer, familiares, repórteres e curiosos não se contiveram e furaram os bloqueios da polícia em busca de informações. A maioria dos passageiros, especialmente os homens, instintivamente justificava o motivo de estarem nos botes salva-vidas, ocupando o lugar de outras pessoas - especialmente J. Bruce Ismay, diretor da White Star Line, sobre quem pairaram dúvidas sobre sua fuga do Titanic. De qualquer forma, eram cenas de alívio e emoção de parentes que encontravam sobreviventes, de desesepero e aflição daqueles que receberam a pior das notícias, ou ambas - já que dezenas de mulheres perderam seus maridos na tragédia e voltaram sozinhas para casa. Apenas 20% dos homens sobreviveram; a proporção para mulheres e crianças foi de 75%.
Se a lúgubre chegada do Carpathia cravou um punhal no coração dos nova-iorquinos, do outro lado do Atlântico, em Southampton, na Inglaterra, ponto de partida da fatídica viagem do Titanic, o luto foi ainda maior. Quatro em cada cinco tripulantes do agora naufragado transatlântico provinham da cidade, cuja larga tradição de navegação data desde o império romano. Dos 890 profissionais em serviço, apenas 214 sobreviveram - índice inferior ao verificado em todas as classes de passageiros. Uma multidão de familiares fez vigília em frente à sede da White Star Line em Southampton, em um silencioso plantão que acabaria ainda mais quieto a partir do dia 17, quando começaram a ser informados os nomes dos tripulantes que pereceram no navio. "Naquele dia, a esperança morreu", decretou o jornalLondon Daily Mail no último dia 23, referindo-se ao luto que tomou conta da cidade.
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