segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A PROSTITUIÇAO NA HUMANIDADE PARTE 3

De deusas à escória da humanidade
A prostituição já foi uma ocupação respeitada e associada a poderes sagrados. Mas, com o surgimento da sociedade patriarcal, a independência sexual e econômica das mulheres restringiu-se e as meretrizes passaram a ser mal-vistas

POR PATRÍCIA PEREIRA



Foi também Sólon quem, percebendo os lucros obtidos pelas prostitutas - tanto as comerciais quanto as sagradas -, organizou o negócio, criando bordéis oficiais, administrados pelo Estado. Neles, havia grande exploração das mulheres, que eram praticamente escravas. Junto com os bordéis oficiais, muitas meretrizes independentes exerciam o seu comércio, apesar da legislação de Sólon. "Pela primeira vez na História, as mulheres estavam sendo cafetinadas - oficialmente. (...) Assim, de mãos dadas, nasceram a cafetinagem estatal e privada", afirma Nickie.
Maria Regina Cândido, historiadora da UERJ, lembra que foi a pressão sobre a terra, com o grande aumento da população grega, que levou Sólon a criar os primeiros bordéis. Isso porque ele trouxe para a região estrangeiros ceramistas, com o intuito de ensinar à população excedente uma nova atividade, já que a agricultura não absorvia mais a todos. "Para que os estrangeiros não molestassem as esposas e filhas de cidadãos gregos, ele criou um espaço de prostituição oficial na periferia da cidade, os bordéis", explica a coordenadora do NEA. Segundo Maria Regina, as prostitutas ficavam em frente ao cemitério, na região do cerâmico, onde estavam instaladas as oficinas dos ceramistas, e também na região do Porto do Pireu, onde eram chamadas de pornes, daí vem a palavra pornografia.
As prostitutas dos bordéis eram estrangeiras, trazidas para a Grécia exclusivamente para cumprir esse papel. Mas muitas mulheres gregas, depois de casamentos desfeitos por suspeita de traição ou outros desvios de comportamento, não viam outro caminho a não ser prostituir-se. Essas, estigmatizadas, juntavam-se às estrangeiras nos bordéis oficiais.
As prostitutas do templo de Afrodite deixaram de ser vistas como sacerdotisas e viraram escravas
Muitas prostitutas eram cultas e instruídas, e cumpriam o papel de entreter os líderes daquela sociedade. Cobravam alto preço por sua companhia e podiam ou não ceder aos desejos sexuais do cliente. São as hetairae, amantes e musas dos maiores poetas, artistas e estadistas gregos, explica Maria Regina. "As hetairae conduziam seus negócios abertamente em Atenas, trabalhando independentemente tanto dos bordéis do Estado quanto dos templos", diz Nickie. 
A prostituição sagrada também sobreviveu, embora timidamente, durante o período da Grécia clássica. Havia templos em toda a Grécia, especialmente em Corinto - dedicado à deusa Afrodite. As prostitutas do templo não mais eram vistas como sacerdotisas, eram tecnicamente escravas. Mas, por serem consideradas criadas da deusa, mantinham a aura de sacralidade e eram homenageadas pelos clientes. "Demóstenes pagava caro por essas prostitutas. Ele ia de Atenas até Corinto só para ter relações sexuais com elas", diz Maria Regina.
PHRYNE ANTES DO AREÓPAGO, DE JEAN-LÉON GÉRÔME
Sob os olhos de dezenas de homens e escondendo o rosto, mulher grega é julgada, talvez por traição: motivo que estigmatizava esposas infiéis, que optavam viver como prostitutas. Tela de Jean-Léon Gérome (1861)
ACERVO CIÊNCIA E VIDA
O frei São Tomás de Aquino, por Fra Angélico: em sua vasta obra filosófica e moral do século XIII, ele defendeu a existência da prostituição, argumentado esse ser um "mal necessário"
LIVRES NO IMPÉRIO ROMANO 
Roma foi diferente da Grécia. Até o início da República, a prostituição não era tão disseminada no território romano. "Roma ainda era muito provinciana, fechada", explica Ronald Wilson Marques Rosa, historiador e pesquisador do NEA/UERJ. A prostituição apenas se difundiu com a expansão militar do império romano e a conquista de escravos. Antes desta expansão, há indícios de que entre os primeiros romanos, que eram povos agrícolas, existia a antiga religião da deusa, diz Nickie Roberts. Ela também afirma que, em tempos posteriores, a prostituição religiosa estava ligada à adoração da deusa Vênus, que era considerada protetora das prostitutas.
Após a expansão militar e territorial, "os escravos eram os prostitutos, tanto homens quanto mulheres. E não havia estigmatização, não era algo mal-visto. Era normal o uso comercial do escravo para a prostituição. E, muitas vezes, eles usavam esse dinheiro para conseguir a liberdade", diz Ronald Rosa.
De acordo com Nickie, Roma foi uma sociedade sexualmente muito permissiva. "Eles escarneciam de qualquer noção de convenção moral ou sexual e desviavam-se de toda norma que houvesse sido inventada até então", afirma. A grande expansão urbana favoreceu o crescimento da prostituição. A vida era barata, e o sexo, mais barato ainda, diz a autora. Prostituição, adultério e incesto permearam a vida de muitos imperadores romanos.
"Falando de modo geral, a prostituição na antiga Roma era uma profissão natural, aceita, sem nenhuma vergonha associada a essas mulheres trabalhadoras", comenta Nickie. A vida permissiva levava mulheres a rejeitar o casamento, a ponto de o imperador Augusto estabelecer multas para as moças solteiras da aristocracia em idade casadoira. Muitas se registraram como prostitutas para escapar da obrigação. O sucessor de Augusto, Tibério, proibiu as mulheres da classe dominante de trabalhar como prostitutas.
Diferente da Grécia, os romanos não possuíam e nem operavam bordéis estatais, mas foram os primeiros a criar um sistema de registro estatal das prostitutas de classe baixa. Isso resultou na divisão das prostitutas em duas classes, explica Nickie: as meretrices, registradas, e as prostibulae (fonte da palavra prostituta), não registradas. A maior parte não se registrava, preferia correr o risco de ser pega pela fiscalização, que era escassa.
"Suprimir a prostituição e a luxúria caprichosa VAI ACABAR COM A SOCIEDADE. "
SANTO AGOSTINHO
Na imagem à esquerda, o pintor alemão Nicolaus Knupfer retrata soldados embriagados e rendidos aos prazeres mundanos como a bebida, a música e o sexo em um bordel
BORDEL, DE NICOLAUS KNÜPFER-REPRODUÇÃO
Grupo de prostitutas de elite, em Yokohama, no Japão do início do século XX: a sobriedade da imagem esconde a devassidão permitida entre quatro paredes
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